
faz uns dias pensei que não seria mais capaz de escrever. continuei tentando, mas os pensamentos eram tão desencadeados que temi publicar na internet algo triste ou insignificante demais. eu penso muito na relevância de tudo que faço e isso é o que me trava. ouvi uma amiga falando que é preciso manter o hábito e reservar 40 minutos diários para escrever. outra disse: continue digitando, digite. e é isso que estou fazendo agora.
assim, pensando em como começar, me lembrei de Clarice Lispector. desde o ano passado passei a me interessar pela figura dela. não só pela escrita, mas por quem ela é, pela imagem, história, entrevistas, postura, pela língua presa e a forma como ela se expressa. eu gosto muito que Clarice dizia que era uma dona de casa que escrevia. e o significado disso é grandioso demais.
há uns meses li um texto da Ana Maria Machado em que ela conta ter sido procurada por Clarice para ajudá-la a por ordem nos rascunhos do que viria a ser A Hora da Estrela. há 45 anos, Ana Maria tinha escrito um artigo sobre o trabalho dela com Roland Barthes e como um texto poderia ser escrito por fragmentos.
Clarice estava desesperava, imersa em uma dezena de frases e cenas desconexas anotadas à mão em todo tipo de papel e simplesmente não sabia o que fazer com aquilo. ela precisava que Ana usasse seu aprendizado com Barthes, desse um norte praquele amontoado de ideias e pusesse uma linha de pensamento para fazer surgir uma história. pra decepção de Clarice, Ana Maria disse que não havia como ajudá-la.
Clarice, então, disse uma frase que marcou muito a autora de livros infantis e que quando li compreendi perfeitamente o sentimento de tudo aquilo:
– Você não pode mesmo me dar nada, a não ser a certeza de minha solidão?
não há nada mais solitário que a incompreensão. nada mais difícil que tentar encontrar sozinha um caminho quando tudo parece desconexo e fragmentado. quando não há ninguém capaz de jogar um bote salva-vidas, que puxe a linha certa da meada e desfaça todo o emaranhado que está dentro da gente.
assim, escrever, que sempre foi um alívio, se torna um exercício cada vez mais complicado e exaustivo, principalmente quando a gente se cobra pra ser relevante.
nem tudo que escrevo é real, mas o que não coloco no papel paira na minha cabeça como se fosse. por isso, comecei a digitar e a digitar, sem contar os minutos no relógio, pensando em Clarice e Ana Maria e nas vezes em que contei minha história para quem não tinha sensibilidade ou interesse pra compreender.
fazia 16 dias que eu não chorava. isso é bastante raro pensando que sou uma pessoa que se emociona com comercial de Natal ou vídeos de bebês que dormem com gatos. há dois dias eu chorei, pois me vi na solidão de ser incompreendida. percebi que havia colocado meus fragmentos na mão de uma pessoa incapaz de escutar. entendi que eu era invisível e me senti pequena demais.
decidi fazer como Clarice e busquei como tratar dos meus próprios rascunhos. longe de gerar uma obra-prima como A Hora da Estrela, me dispus a digitar sem parar. pensei no quanto Ana Maria ficou tocada depois daquela conversa com Clarice a ponto de escrever sobre isso 45 anos depois. na época, ela ofereceu amizade. amizade de ouvi-la pra que Clarice encontrasse apoio na construção daquela história. de início, Clarice negou, mas depois ligou para agradecer Ana pela generosidade e pela coragem de dizer não, de reconhecer que não seria capaz de apoiá-la da forma que ela esperava. ela contou, ainda, que Ana havia a ajudado a encontrar a verdade. dessa história entendi que não é possível esperar que alguém organize nossos fragmentos internos do que nós mesmos, mas conforta saber que dá para contar com quem tem capacidade de ouvir. felizmente, essa sorte eu tenho. só preciso focar nas pessoas certas.
Dedicado a Stefani Ceolla, que sempre me envia links sobre Clarice e cuja capacidade de ouvir a faz uma das pessoas mais especiais que já conheci